sexta-feira, julho 24, 2009

Segue


Permito-me, só desta vez, abandonar...
Deixo o barco...
A porta aberta...
A janela destrancada...
A luz acesa...
O cachorro sem água...

Deixo...

A geladeira aberta...
A cerveja esquentando...
A tv ligada no Faustão...
A menina que me olha de soslaio...
Os amigos fiéis...
A chuva estragar meu trabalho...

Deixo...

A morte me olhar...
A sorte não me escolher...
A irritação me tomar...
A raiva e surto me fazer voar...
A torneira aberta...

Deixo...

E só agora deixo...
Um tempo todo,
Um minuto...
Uma hora...
Uma década...
Uma vida...
Permito-me, desta vez, sonhar...

quinta-feira, julho 23, 2009

A bela e o fora...



Ela brilhava...
Todos a olhavam...
A rodeavam sem nela encostar...
Enroscavam-se em meio às palavras...
Deduziam dizeres caleidoscópicos...
Dos lábios carnudos que sorriam...
Ó, aqueles lábios que nada queriam...
Era somente uma face tentando ser desejada por muitos...
E deu certo.

Agora, os que olhavam, se achegavam...
Diziam coisas ininteligíveis...
Cortavam uns aos outros atropelando-se...
Passavam vagueando entre um gole e outro...
Era a desejada da festa...
Todos a queriam...
Nem que fosse para olhar.
Ela se chama Maria.
"Mary", como insistia em se chamar...
Apresentou-se.

Cada cavalheiro tentava a face lhe beijar...
Mas como uma sagaz sedutora, com um fora
Fazia-os se afastar...
É como a nobre equivalente...
Dos Don Juans e Casanovas...
Sua beleza se traduzia em gestos majestosos...
Ou, quiçá, má-gestosos...

Só sei que naquela noite frondosa de céu estrelado
E recheado de cheiro de rosa,
Muitos foras a bela mandou...
Muitos "nãos" ela arriscou...
Ao final de tudo, fiquei-me a me perguntar...
Quem deseja ter o inalcançável olhar?
O que antes era desejo, tornou-se o impossível...
E a bela feriu-se de foras e de fora para dentro...
E fora embora a olhar para o chão...
Procurando os restos caídos...
De sua total solidão.

__________
1 - Imagem de minha autoria. Chamo-a de Rosas Cubistas.

quarta-feira, julho 22, 2009

Engana-se


Salvo engano, o engano morreu...
Gritam: "Salvem o engano!"
Por quê? O engano correu?!

Ora, quem corre, vivo está...
Então, salvo engano enganado foi...
E junto com ele, fui eu...
Demente insano que crê...

Corre solto, o engano, agora...
Corre e pulula festejando...
O caos instaurado, a calúnia de ser quem está certo...
O erro de acertar para muitos...
De ser correto e não duvidar...

De sair e festejar...
A alienação do engano e da traição...
De si para si...
De auto-engano...
A cegueira que se escolhe vivenciar...

A torpe nojeira do vômito que engasga...
Sufoca a mente...
Toda imagem horrenda é pouco para descrever a alienação...
Vomitar é festa em dia de comemoração.

Os porcos se regozijam,
Se entreolham com sorrisos de canto de boca...
Rolam pela lama, esfacelam o resto de dignidade...
E, como numa rinha, arrancam com os dentes a carne do outro...

"O inferno é o outro", certamente...
Mas é o outro como espelho do inferno interno...
Da lama, alma má...
Que escorre, em vez de sangue e dignificação...

É o engano, a tragédia do acidente...
Que não mais soa como tal...
Soa como planejado em ares de acaso...
A morte planejada...
A fome planejada...
A sede planejada...
A debilidade planejada...
Pelos senhores do engano...
Os senhores da alienação!

O cérebro derrete...
Inflama a emoção...
Festejam as sete mortes...
Que vêm dos sete cantos...
Encantos sete mil...
Das memórias contadas...
Pelo infame mestre vil.

Arranco do peito o coração...
Bate ainda e eu o olho fixamente...
Sem nada no pensamento, sinto o sangue quente a escorrer...
É a parte mais nobre de mim...
É o que me fazia viver...
Morre a ideologia de mim...
Sacode espalhada pelo chão...
Ensanguentada desejando viver...

...morre a ideologia frente à alienção...